Os meus amigos passam a vida a chatear-me por eu cortar o cabelo em cabeleireiros em vez de ir ao tradicional barbeiro de esquina. Vão-se foder é o que eu lhes costumo dizer. No entanto decidi voltar a dar uma hipótese ao típico barbeiro castiço e fui lá no outro dia.
Ia a passar na rua e vi uma placa gigante que tinha escrito: Barbeiro do Vítor. Entrei e comprimentei-o prontamente: "Bom dia Sr. Vítor!" - ao que ele me respondeu: "Eu não me chamo Vítor, o meu nome é Pitágoras!" - o que eu achei peculiar, pois nunca tinha conhecido ninguém chamado Pitágoras.
Pitágoras ajudou-me a sentar confortávelmente na cadeira e perguntou: "É o serviço completo?" - ao que eu respondi positivamente. Primeiro cortou-me o cabelo apenas com um pente e uma tesoura, o que eu achei fantástico. Quando eu me preparava para ir embora, Pitágoras impede-me e diz que falta a barba. Enquanto ele misturava a espuma numa tigela de alumínio, discutíamos futebol e política, o que foi espetacular. Depois, Pitágoras saca de uma navalha com uma lâmina de 15 cm, e eu perguntei se não havia outra maneira de ele me fazer a barba, tipo com uma Gillette Mach 3. Ele disse para não me preocupar, porque ele era um mestre naquilo que fazia e gostava de fazer as coisas à antiga. Tenho de admitir que ele fez um excelente trabalho, não só a minha pele estava macia como o rabo de um bebé longe das garras de Carlos Cruz, como nem um único corte tinha na face.
Levantava-me para ir embora, satisfeitíssimo com o trabalho de Pitágoras, quando este me empurra de volta para a cadeira a dizer que ainda não tinha acabado. "Não tinha pedido o serviço completo?" - perguntou-me ele. Ao que respondi positivamente, mas o que é que faltaria fazer?
Limpeza de pele. Parece que antigamente os barbeiros não só cortavam o abelo e faziam a barba, como também se encarregavam de limpar a pele dos seus clientes. Pareceu-me um pouco estranho, mas pensei: Porque não. Foi nessa altura que Pitágoras sacou de uma máquina que parecia ser um aspirador, e começou a sugar tudo o que estava à superficíe da minha pele. Tenho de admitir que a dor era agoniante, tanto que desmaiei passados apenas uns segundos.
Quando acordei outra vez, ainda a sentir aquela dor excruciante, deparo-me com uma situação deveras caricata. Os meus braços e pernas estavam presos à cadeira com tiras de cabedal e as minhas mangas estavam enroladas até cima. Olhei para o lado e vi Pitágoras a afiar uma faca num instrumento estranhíssimo. Perguntei: "O que é que se está a passar caralho?" - ele disse para não me preoupar, porque era assim que se fazia antigamente. Furioso, pergunto: "De quê que estás a falar?" - e a sua resposta fez-me parar o coração: "Derramamento de sangue!!"
DERRAMAMENTO DE SANGUE??????????? Este gajo só podia estar a brincar. Mas infelizmente, não estava. Devia saber, nesta altura, que Pitágoras nunca brinca em serviço. Ele disse que eu tinha espirítos maus no meu corpo, e deitar o sangue fora era a únia maneira de eles sairem. Eu disse que não me importava com os espíritos, e que eu e os espíritos tinhamos um acordo mútuo.
Mas Pitágoras era um homem que não aceitava um não como resposta. Ele deu-me um pedaço de camurça e disse: "morde isto om força, vai ajudar o sangue a escoar mais depressa" - eu disse que não queria, sequer, que o sangue saísse, e tentei-me soltar, em vão...
"Quieto! Maricas de merda" - gritou o barbeiro com nome de filósofo grego.
"Eu dou-lhe mais alguma guita, e a coisa fica por aqui, pode ser?" - tentava eu minimizar os estragos.
"Isto é para o teu bem !"
"Eu estou contente com o meu sangue, deixa-me em paz"
"Tu não estás a fazer o que eu te digo, e isto vai ficar merdoso..."
Olhei à volta prourando ajuda, mas não estava lá ninguém. Estava sozinho com Pitágoras...
"Vais sentir uma dor fortíssima, mas no momento em que os demónios sairem do teu corpo, vais-te sentir muito melhor" - disse Pitágoras.
Fiquei em pânico, tentei soltar-me, mas as tiras de cabedal estavam muito apertadas.
"Para quieto, seu filho da puta! Não percebes que isto é para o teu bem?" - Vociferou Pitágoras.
"Larga-me, seu maníaco psicopata" - gritei eu como uma pequena menina.
"Os espíritos estão a tomar conta da situação! Temos de trabalhar depressa!!!!"
Foi nessa altura que se abriu a porta. Era a bófia!!! Dois polícias entraram pela Barbearia do Vítor com as armas em punho: "Larga a faca, Pitágoras!" - comandou um deles, com uma estranha pornúnia algarvia.
"Vocês não percebem, eu estou a fazer-lhe um favor!" - defendeu-se Pitágoras.
"Tu não me estás a fazer favor nenhum, seu tarado de merda!!!" - gritei eu, claramente mais confiante, agora que a polícia tinha chegado.
Foi aí que Pitágoras pôs a faca no meu pescoço e me disse: "Fica fora disto, júnior!" - Pitágoras via muito cinema americano de fraca qualidade.
"Vá lá, Pitágoras... não me apetece ter de ligar para a morgue outra vez!" - disse o polícia deixando-me ainda mais em pânico.
"Cheguem-se só mais um bocado e eu corto-lhe a cabeça!!!!" - ameaçou o enraivecido barbeiro.
De repente, a porta das traseiras da barbearia abre-se, Pitágoras distrai-se com a entrada em cena de outra pessoa e é alvejado pelos dois polícias trinta e sete vezes no peito. Deixa cair a faca e um balde que também segurava. Cai também ele a seguir, no entanto, ainda com vida. A pessoa que tinha surgido pela porta das traseiras era nem mais, nem menos que...
Sim, adivinharam: Vítor. Vítor tinha acabado a sua pausa para almoço. Tinha comido favas, e ao que parece, estavam óptimas.
Os polícias soltaram-me da cadeira e chamaram uma ambulância para transportar Pitágoras para o hospital. Era tarde demais. Pitágoras tinha falecido, para grande tristeza minha. Quer dizer, claro que ele não passava de um psicopata que assassinava os seus clientes a sangue frio, mas as minhas patilhas nunca tinham estado tão bem.